quarta-feira, 1 de outubro de 2008


Fotogramas de Agosto

p. angela (1961-2002)

olhem-me
eu,
luiz-liberto-da-falta,
venho aqui projetar minha saudade.
minha saudade tem uns versos na veia,
uns fotogramas romanescos no meio
umas cenas de amor e sexo
umas flores:
flores brandas flores breves
flores murchas flores mortas,
flores de morte flores inverossímeis
flores flor flores,
flores de sangue.


minha saudade já não
me afasta de minha alegria,
não me infecciona mais
a válvula mitral,
e balança embalada pela
brisa mansa de agosto.
não amarga,
não está paginada
nem dividida
é saudade adquirida

minha saudade já
consegue ser meu poema,
meu rosto calmo,
ser capítulo de minha história.
estou sozificado,
falta meu sofrimento.
sobram sua falta e minha memória.

minha saudade vive suspensa,
orbita pelo céu dos afetos
apagou apego medo solidão.
tem motivos pra ser só saudade
e é saudade até na extremidade.
saudade do s ao e,
e esclarece-se quando
comigo não se parece,
quando me esquece.

minha saudade tem um sol,
e sombras de pára-sóis-da-china
quando vier a primavera,
e vier outro dia outro setembro,
outro outubro,
quando outros calendários
forem desfolhados,
que reste sempre alguns
ml de poesia

nunca fomos a paris ou a veneza
como tantas vezes sonhamos
mas estivemos em tantas cidades
dirigimos pro tantas estradas
admiramos paisagens de tantas janelas
passeamos por tantas calçadas
abismamo-nos tanto de nossos medos
cansamo-nos de andar em tantas cidades
de ouvir conversas bêbadas
músicas eruditas poemas malditos
praias tristes, caretices.
tivemos tantos amigos
dissemos tantas coisas
furamos tantas ondas,
desideiamos tantas idéias.
admiramos os livros, os filmes,
os cavaloso cheiro de alfavaca no pasto.
polemizamos a cor da rebimboca da parafuseta
- azul ou turquesa?
- turquesa com s ou com z ?
e aiuroca fica antes ou depois de caxambu?

você libra eu câncer.
brindamos e brigamos e orgasdamos
na cama no carro no rio no mar.
ouvimos o entardecer.
maduramos sem perceber.
saudade madura?
você brigadeiro, eu goiabada.
ambos ambrosia, ambos cruzeiro.
freqüentemente um dos endereços
do paraíso era:
rua cláudio 145, apartamento 1001, prado,
onde ficou saudade plantada em vaso,
saudade pendurada na parede,
escondida no armário e na estante.
saudade marcando poema no
livro de isabel saudade no quarador.
de querelar!
de nosso quá-quará-quá-quá.

minha saudade agora é poema,
daqui a pouquinho quero que se
desprenda de mim e seja um brinquedo,
um nome de filme. que seja o próprio filme,
um filme antigo com ranhuras de filme antigo.
e, como filme antigo, que fique guardada nas
estantes climatizadas de minhas artérias.
sua exibição será sempre
uma exclusividade deste poema.

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