quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Listas, e livros que fazem o
coração bater mais forte

Em minha infância e adolescência as listas eram coisa de meninas. Meninos não se davam a estas "anotações frescas", embora insconscientemente fizessem listas de times de futebol, de garotas lindas, de garotas feias, de garotos bons de bola, garotos muito ricos e assim por diante. Uma vez li furtivamente uma lista. Estava no caderno de uma de nossas colegas e tratava-se de uma lista de garotos esquisitos do nosso colégio. Passei os olhos com a maior velocidade que podia. Procurei meu nome, que estava lá e, entre parênteses, a frase: Sério, míope, escreve poesias, é o único poeta que já vi de perto. Bonitinho, não é chato, nem é legal. Mas é esquisito. Por uns minutos fiquei com vergonha, depois achei engraçado, até gostei do bonitinho. Principalmente porque a garota não poupava ninguém. Até seu irmão figurava como esquisitíssimo. Aquele era mesmo um colégio de garotos esquisitos. No caderno havia outras listas, tipo "as melhores coisas das férias de 1975, a melhores coisas para detestar, as melhores coisas pra gostar, 10 músicas pra ouvir quando se está triste", enfim. Desde então acho fazer listas uma coisa excêntrica, e isso tem lá um certo charme. E também não consegui encontrar outra música linda mais triste do que I Can't stop loving you, de Ray Charles, uma das dez mais daquela lista.
Charme maior foi conferido às listas em dois livros de escritoras mineiras. O Livro de Cenas Fulgor, de Lúcia Castelo Branco, publicado em 1999 pela Editora Duas Luas e O Livro deZenóbia, de Maria Esther Maciel, Editora Lamparina, 2005.
Ambas escrevem com fragâncias femininas, o que confere aos dois livros um certo parentesco estético. Ambas despertam no leitor os encantos do texto literário de qualidade, dotado de magia e sensibilidade. Lúcia opta pela poesia pura de estilo muito simples, e belo, que explana um mundo de pequenas atitudes e preferências, dos seus afetos e medos, tudo que justifica a presença do sonho e da memória em nossas vidas. São as Cenas Fulgor. No prólogo a autora esclarece: "Uma cena fulgor pode ser “uma pessoa que realmente existiu”, uma frase, um animal ou uma quimera". É esse o pressuposto para que ela nos apresente suas listas: coisas que fazem o coração bater mais forte, coisas raras, coisas difíceis de dizer, coisas que trazem uma doce lembrança do passado. Listas pequenas, deliciosas de se ler:

I . COISAS QUE FAZEM O CORAÇÃO
BATER MAIS FORTE
:

- Um planador conduzido segundo a feição do vento
- O dorso desnudo de um bebê adormecido
- O olhar de um cão, em direção à mãe que amamenta o bebê
- O olhar de uma criança, em direção àquilo que ela não compreende
- Tâmaras secas sobre um prato de cristal
- Aquele amigo distante que retorna
- Deitar-se só, num quarto deliciosamente perfumado de incenso
- O clarão da lua atrás da nuvem
- JANEIRO

III . COISAS RARAS
- Um amigo que suporta nossa alegria com a mesma firmeza com que suporta nossa dor
- Não sujar de tinta o livro em que se copiam romances, trechos de poesia, pensamentos
- Manter a dignidade em uma discussão, mesmo quando os argumentos parecem nos abandonar
- O encontro do amor, dez anos depois, depois de desvios, desvãos, desencontros

Já Maria Esther Maciel em seu O Livro de Zenóbia opta pela prosa poética para nos contar a vida de Zenóbia. Cada capítulo se divide em partes numeradas: as idades, os sonhos, os amores, as receitas, as ervas daninhas. Assim constrói a briografia de Zenóbia. Logo descobrimos que Zenóbia teve quatro amores, que herdou da avó o gosto por quitandas, que é botânica, cultiva plantas de raízes drásticas, que ama sobretudo o imaginário afetivo, e lírico, que envolve coisas e pessoas. "Zenóbia diz que a lírica, e não a crônica, define seu pacto com a vida". Ela também gosta de fazer listas. Listas de livros de cabeceira, de peixes perplexos, de ervas daninhas, de temperos e ervas de cheiro, orquídeas, bromélias, palavras. Ah e os deliciosos nomes de cidades raras: Bizarra. Martírio, Sorriso, Sonora, Olho d´água do Borges, Coxixola, Mansidão, Solidão, Tuntum, Rifânia. O Livro de Zenóbia é uma fábula, ou um fabulário sustentado menos nas questões morais e mais na beleza do estilo e nas emoções da personagem. Uma leitura que nos banha com a aura do sonho e das lembranças romanescas. Agora começo a achar que fazer listas é um exercício de imaginação e poesia. Ato inspirador. Assim apresento-lhes minha primeira lista:
Coisas que perturbam:
. Garotas bonitas que cantam MPB.
. Garotas bonitas que amam com desespero.
. Alarmes que disparam à meia-noite.
. Poemas que disparam o coração a qualquer hora.
. O olhar firme de uma mulher desconhecida.
. Poetas que não dizem nada.
. Poemas que dizem tudo.
. Sonhar com um amor morto.
. Sonhar com um amor que não chega.
. Estar no centro das atenções.
. Presságios. Premissas. Promessas.
. Ferir um amigo, involuntarimente.
. Amar uma amiga, voluntariamente.

Fico pensando porque gostei tanto destes dois livros e porque gosto de tantos outros escritos por mulheres. A boa literatura não tem sexo. Ah, sim. Mas as mulheres entendem uns detalhes, têm sutilezas e possibilidades estilísticas impossíveis aos homens.
E isso merece outra lista:

Livros maravilhosos escritos por mulheres:
. Afrodite, de Isabel Allende
. Autobiografia de Alice B. Toklas, de Gertrude Stein
. Inéditos e Dispersos, de Ana Cristina César
. Minha Vida de Menina , de Helena Morley
. História do rei transparente, de Rosa Montero
. Cânticos, de Cecília Meireles
. A festa de Babette e outras anedotas do destino, de Isak Dinesen
. Poemas do Brasil, de Elizabeth Bishop. Líquido e certo, de Elza Beatriz
. O Coração disparado, de Adélia Prado
. O Lado fatal, de Lya Luft
. Perversa, de Ana Elisa Ribeiro
. O Livro de Zenóbia, de Maria Esther Maciel
. Livro de Cenas Fulgor, de Lúcia Castelo Branco
. Em busca do homem Sensível - Anais Nin

"E tu verás o que vias:Mas tu verás melhor..."
Cecília Meireles, Cânticos

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